Tempo de Sangramento, TAP e INR: compreenda os exames de coagulação

Compreenda o que são os exames Tempo de Sangramento, TAP e INR, como são realizados, quando são indicados e o que revelam sobre a coagulação do sangue. Um guia completo para profissionais da saúde e pacientes.

HEMATOLOGIA

Ariéu Azevedo Moraes

4/23/20254 min ler

tubos de coleta para hemograma e TAP, em Análises Clínicas
tubos de coleta para hemograma e TAP, em Análises Clínicas

Tempo de Sangramento, TAP e INR: compreenda os exames de coagulação

Introdução

A hemostasia é um processo complexo e vital que impede sangramentos excessivos quando há lesões vasculares. Para que esse equilíbrio entre coagulação e anticoagulação funcione corretamente, diversas proteínas e células do sangue atuam de forma coordenada. Quando esse sistema é comprometido, podem surgir sangramentos espontâneos ou risco aumentado de trombose.

É nesse contexto que entram os exames de avaliação da coagulação, especialmente o Tempo de Sangramento (TS), o Tempo de Protrombina (TAP) e o INR (Razão Normalizada Internacional). Esses testes são fundamentais para o diagnóstico de distúrbios hemorrágicos, monitoramento de pacientes em uso de anticoagulantes e avaliação pré-operatória.

Tempo de Sangramento: um teste em desuso, mas ainda mencionado

Historicamente, o Tempo de Sangramento foi um dos primeiros exames utilizados para avaliar a hemostasia primária — ou seja, a fase inicial da coagulação que depende da integridade vascular e da função plaquetária. Ele mede o tempo necessário para que uma pequena incisão na pele pare de sangrar espontaneamente.

Apesar de sua simplicidade, o teste é pouco específico e pouco reprodutível, sofrendo influência de múltiplos fatores como profundidade da incisão, pressão arterial, temperatura e técnica do profissional. Por esses motivos, foi descontinuado pela maioria das diretrizes internacionais, incluindo o Clinical and Laboratory Standards Institute (CLSI) e a British Committee for Standards in Haematology (BCSH).

Ainda assim, o termo persiste em alguns protocolos e relatórios médicos, gerando confusão tanto entre pacientes quanto entre profissionais menos atualizados. Atualmente, testes como tempo de fechamento com PFA-100/200 ou agregação plaquetária são preferidos para investigação de disfunções plaquetárias.

TAP e INR: o que são e para que servem?

O Tempo de Protrombina (TAP) é um exame laboratorial que mede o tempo necessário para a formação de coágulo após a adição de tromboplastina e cálcio ao plasma citratado do paciente. Ele avalia a via extrínseca e a via comum da coagulação, sendo útil na investigação de distúrbios de fatores como:

  • Fator VII (via extrínseca),

  • Fatores II (protrombina), V, X e fibrinogênio (via comum).

Já o INR (International Normalized Ratio) é uma padronização matemática do TAP, criada para corrigir as variações entre os diferentes reagentes de tromboplastina usados pelos laboratórios. O INR permite uma comparação universal e é essencial para pacientes em uso de anticoagulantes cumarínicos, como a varfarina.

O cálculo do INR é baseado na seguinte fórmula:

INR = (TAP do paciente / TAP normal) ^ ISI

Sendo ISI o índice de sensibilidade internacional do reagente usado.

Por que TAP e INR são tão importantes?

Esses exames são amplamente utilizados por diversas razões:

  • Monitoramento de anticoagulação oral: Para ajustar a dose de varfarina com segurança, mantendo o INR dentro de uma faixa terapêutica específica (geralmente entre 2,0 e 3,0, ou 2,5 a 3,5 em casos de maior risco trombótico).

  • Avaliação pré-operatória: Especialmente antes de cirurgias com risco de sangramento, em pacientes com histórico de uso de anticoagulantes ou suspeita de coagulopatias.

  • Diagnóstico de doenças hepáticas: O fígado sintetiza a maioria dos fatores de coagulação. Alterações no TAP/INR podem indicar comprometimento hepático importante.

  • Investigação de sangramentos inexplicados: Em pacientes com epistaxe recorrente, menorragia ou sangramentos gengivais sem causa aparente.

Fatores que influenciam o resultado

É fundamental compreender que diversos fatores podem alterar os valores de TAP e INR. Dentre os principais:

  • Uso de medicamentos: Varfarina, antibióticos, anti-inflamatórios e até fitoterápicos podem interferir na coagulação.

  • Deficiência de vitamina K: Essencial para a síntese dos fatores II, VII, IX e X. Sua carência, comum em desnutrição ou má absorção intestinal, prolonga o TAP.

  • Doenças hepáticas: A cirrose, por exemplo, compromete a produção de fatores de coagulação, elevando o INR.

  • Erro pré-analítico: Coleta inadequada, excesso ou falta de anticoagulante no tubo (citrato), tempo entre coleta e análise superior a duas horas, e hemólise podem gerar resultados inválidos.

Valores de referência e interpretação

Os valores de referência variam conforme o laboratório, mas de forma geral:

  • TAP: 10 a 13 segundos (em indivíduos não anticoagulados).

  • INR:

    • 1,0: considerado normal;

    • 2,0 a 3,0: faixa terapêutica para prevenção de trombose venosa profunda, embolia pulmonar, fibrilação atrial;

    • 2,5 a 3,5: indicada para válvulas cardíacas mecânicas ou eventos trombóticos recorrentes.

Vale destacar que um INR elevado fora do uso de anticoagulantes pode indicar doença hepática grave, deficiência de vitamina K, coagulopatia de consumo ou distúrbios hereditários raros.

Casos práticos e impacto clínico

Imagine uma paciente idosa, usuária crônica de varfarina após colocação de uma válvula cardíaca metálica. Ao realizar o controle ambulatorial, apresenta INR de 4,8. Essa elevação pode colocá-la em risco de sangramentos severos, como hematomas espontâneos ou hemorragias gastrointestinais. O ajuste da dose e, em alguns casos, a reversão com vitamina K oral ou intravenosa podem ser necessárias.

Por outro lado, um paciente com INR abaixo de 2,0 enquanto em uso de varfarina está com anticoagulação subterapêutica, o que o expõe ao risco de trombose — especialmente em quadros como fibrilação atrial ou trombose venosa profunda.

O papel do laboratório e a importância da padronização

Os laboratórios clínicos têm papel essencial no fornecimento de resultados confiáveis e no controle de qualidade dos reagentes utilizados. É imprescindível manter o controle interno diário dos reagentes de tromboplastina e calibrar adequadamente o ISI, garantindo que o cálculo do INR seja preciso.

Além disso, a comunicação com o médico solicitante deve ser clara em casos de valores críticos, seja para prevenção de sangramento grave ou trombose iminente.

Considerações finais

O Tempo de Sangramento, ainda que historicamente importante, caiu em desuso frente à baixa acurácia. Já o TAP e o INR continuam sendo pilares na avaliação da coagulação, sobretudo em pacientes anticoagulados ou em risco cirúrgico.

Entender a fisiologia da hemostasia, os fatores que influenciam os resultados e o impacto clínico de valores alterados é fundamental para a prática médica e laboratorial. Um laboratório bem treinado, com protocolos de coleta padronizados e boa comunicação com a equipe médica, contribui significativamente para o cuidado seguro e eficaz dos pacientes.

Referências

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